sábado, 15 de junho de 2013

O "EU" QUE SOMOS E O "EU" QUE INVENTAMOS


As crianças, desde muito pequenas, são doutrinadas com palavras e atitudes dos adultos, que lhe dizem expressamente, ou nas entrelinhas, que elas tem que ser perfeitas: boas, educadas, gentis, amorosas, não podem sentir raiva, não podem chorar de dor e de tristeza, não podem expressar seus sentimentos.

Se a criança não age assim é repreendida, criticada, punida. E a maior punição para a alma infantil é o sentimento de que lhe foi retirado o afeto. Isso gera muita ansiedade, culpa, sensação de ser má.

Ser “mau" está associado a castigo e infelicidade e ser “bom" associado a prêmio, felicidade e aceitação. Daí, ser "bom" e "perfeito" torna-se uma questão de vida ou morte.

Os adultos, de modo geral, tem pouca tolerância e frágil compreensão para os sentimentos infantis. Do mesmo modo que negam seus próprios sentimentos, negam o que as crianças conseguem expressar de forma limpa e espontânea. Quando a criança tem pais rígidos e superexigentes à coisa ainda é mais séria ainda.

Tudo isto leva a personalidade em formação, para se proteger, a "forçar algo que não é", artificialmente. Vai-se construindo, assim, um EU IRREAL. O que aquele ser é, de verdade – O EU REAL - vai ficando de fora, retirado de cena, como algo vergonhoso e que não pode ser aceito.

Para fugir da dor de não ser amada e na tentativa desesperada de ser aceita, ela vai se moldando, inconscientemente, àquele “jeito de ser” que, supostamente, vai dar a ela o amor pelo qual anseia. É, pois, um EU construído sobre um alicerce falso.
Na consciência infantil vai surgindo um grande conflito interno. Como distinguir o impulso genuíno de ser bom, educado, gentil e a falsa construção erguida para agradar – o Eu idealizado?

Na vida adulta, a existência do EU idealizado age internamente com uma terrível tirania. É um EU compulsivo que não pode admitir a imperfeição de cada estágio da vida, e nega que a pessoa pode falhar, cometer equívocos, como é da condição humana.

No entanto, há uma instância interna que sabe que o indivíduo não é perfeito, que vive uma farsa. Diante da impossibilidade de ser perfeito, e diante da máscara de mentira que criou, vem a necessidade de autopunição. É quando surgem as doenças, os fracassos, bloqueios afetivos, não realização em muitas áreas da vida.

A pessoa submetida ao EU idealizado vive um grande sentimento de frustração, que geralmente não mostra, porque é "superior". Sofre muito todas as vezes em que cai a máscara e sempre que a vida prova que ela não pode viver de acordo com as suas fantásticas exigências. Mesmo sendo capaz, um senso de incapacidade recai sobre si todas as vezes em que não atinge um padrão altíssimo de perfeccionismo. A saída é a mesma da criança: molda seu comportamento, forjando um "jeito de ser" que supõe ser o que os outros aprovam. Ela não gosta do que é e sai pela vida fingindo ser quem não é.

Isto porque a dificuldade maior é aceitar-se como é agora. Em consequência, vem a vergonha, o medo de expor-se, a ocultação, a tensão, o esforço, a culpa e a ansiedade... Para esconder as suas "falhas" e não vê-las , um dos artifícios mais comuns é projetar culpa pelo insucesso "no mundo externo", nos outros, ou na vida.

Dissolver a imagem do eu idealizado é a única maneira possível de encontrar o eu verdadeiro, de encontrar serenidade e autorrespeito e de viver a vida plenamente. Este é um processo longo e que exige humildade. Só abrindo mão da máscara de perfeição é possível ganhar liberdade para entregar-nos a nós mesmos e à vida porque não mais teremos que nos esconder de nós mesmos e dos outros.

Reconheceremos que eu real, apesar de parecer muito menos que o eu idealizado é, na verdade, muito mais. Então, funcionaremos como um ser total e teremos quebrado o chicote de ferro do carrasco que forjamos, ao qual já não precisaremos obedecer.
Ray do Vale (Blog: ray-vale.blogspot.com)

Um comentário:

  1. Querida Ray, constato que o raio de alcance da Verdade chega até o espelho onde observo as mudanças sutis nos traços da minha expressão. Por todas essas coisas, obrigada!

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