sexta-feira, 6 de abril de 2012

RESPOSTA A SÉRGIO SOBRE O DEUS DE SPINOZA

Respondo email do meu amigo Sérgio, a respeito do texto de Spinoza:

Oi, Sérgio,
Vamos ver o que eu consigo elaborar acerca do que você me escreveu sobre o texto. Não é fácil, mas vou tentar, sem qualquer pretensão de chegar a uma resposta definitiva. Estou abrindo uma fresta num tema muito nebuloso; não sei se você conseguirá olhar por ela, ou se fará sentido pra você. Como eu falei antes, vou apenas refletir.

Sobre o texto, esta é apenas a visão de Spinoza. Também não é a Verdade. E existe a Verdade? É uma visão filosófica e, ao mesmo tempo poética. Spinoza, a serviço da poesia e da Filosofia, humanizou Deus. E falou de um Deus que conversa, que argumenta, que expõe, que polemiza. Spinoza deu palavra a esse Deus para que ele possa chegar mais perto de nós. Colocou Deus para dialogar conosco; e não poderia usar outra linguagem que não a nossa. Pura licença poética.

“Deus não é entendido por Spinoza como um Ser à parte e/ou externo ao mundo, que o governa como um engenheiro ou habilidoso artesão, mas como a Divindade da Ordem Eterna da Natureza, muito superior ao entendimento fragmentado e antropomorfista humano. É, enfim, o Grande Uno que se expressa nos Muitos, e que se faz a partir de Si mesmo. Uma visão estranha ao mundo ocidental, mas bem de acordo com as mais sofisticadas concepções orientais do Divino”.

Pra vc ver, como é a sincronicidade: antes de ler seu email havia postado no Facebook o seguinte:

Para Carl Gustav Jung, você não precisa crer em Deus; Deus é objeto de uma experiência. Na mesma linha, Pascal afirma que "crer não é pensar"; crer é sentir. Sentir Deus é uma experiência tão profunda que você não pode negar sem negar a si mesmo. Na relação real com Deus, você sabe que Deus pertence ao seu universo interior e você o experimenta.

Penso que o nosso grande problema em viver a experiência de Deus é que o humanizamos e o compreendemos limitado à nossa perspectiva humana - que é restrita e está contida num limitado universo conceitual. Definimos grosseiramente o que é indefinível. E então concebemos um Deus que é "pai", geralmente com as características que atribuimos aos nossos pais biológicos; cobramos de Deus porque faz coisas (certas ou erradas), como nós; bajulamos Deus, como fazemos na vida para ganhar vantagens (graças a Deus! Se Deus quiser! com a graça de Deus! Deus é tão bom! Deus, faz meu filho ganhar a partida! ou faz meu genro ganhar a luta! rsrsrs); fazemos negociatas com Deus; colocamos Deus em frases medíocres, plotadas em nosso carro, como a dizer: vejam! sou melhor que vocês! Sou amigo do Cara! Precisamos tanto de um Deus humano que transformamos Jesus Cristo em Deus!

E, meu amigo, Deus não cabe em nada, nada o define, não tem nome, não tem endereço; deus não faz, não diz, não ouve, não vê, não está em cima, não está abaixo, nem na terra nem no céu. Deus não cabe em nossos verbos, não cabe em nosso dizer estreito. Simplesmente porque Deus não cabe em palavra alguma, em letra alguma, em qualquer conceito ou linguagem . Deus nem precisa ser escrito com letra maiúscula! DEUS É! No máximo, através do nosso limitado aparato neural, podemos dizer que é possível viver, experienciar Deus - como propuseram Pascal e Jung, cada um do seu jeito. Como eu posso explicar/definir Deus!? Eu não tenho equipamento mental, nem espiritual, nem neurológico para isto!

Mas, arriscaria a dizer que, para mim, a forma possível de tratar de Deus, de falar a respeito, com os recursos que tenho (porque as perguntas estão em toda parte...), é confundindo-o com as leis naturais, como fez Spinoza. Dessa forma posso refletir com você sobre as diferenças que lhe deixam perplexo.

Podemos, de forma bem didática e bem prosaica, imaginar uma pessoa que come em excesso e que passa mal; ou que dirige de forma imprudente e se envolve num acidente; ou que não trabalha e quer prosperidade; o que aconteceu? Transgressões à Lei Natural. Um estômago humano comporta certa medida de alimentos. A leis da física e da mecânica estabelecem que a partir de certa velocidade... Quem não paga o preço, não recebe. Desses desalinhamentos com a Lei, vem consequências. Deus agiu diretamente, como uma freira moralista, dando-lhe um castigo? Não. A lei natural agiu no seu dinamismo perfeito. Nada de punição, nada de castigo: realinhamento com a Lei. Como os Lírios do Campo.

Não é um caso pessoal, como costumamos compreender: por que Deus fez isto comigo? Ou com o outro? Ou com o mundo? Ou com a chuva? Tudo segue uma ordem, perfeita, inexorável, sábia, harmoniosa. Nem sempre somos capazes de compreender essa ORDEM. Lembra dos nossos limites? Mas podemos admitir que essa Ordem existe.

Se olhamos grande, considerando a nossa trajetória de múltiplas repetições de experiências encarnatórias, compreendemos o que acontece. A lei vai agindo, agindo, até que cheguemos à homeostase, ao equilíbrio harmónico com as Leis, em sua maior dimensão; isso se dá passo a passo, experiência, após experiência, aprendizado após aprendizado.

Você já viu como a Natureza busca o equilíbrio? Já viu uma árvore cortada, renascendo do tronco? Já viu uma gata cortando o umbigo e lambendo o filhote após o parto? Ou um galho crescendo na direção do sol? Ou entortando-se para que a árvore se equilibre num eixo que não a deixa tombar? Conosco é assim também. Não somos mais nem menos que as árvores, os lírios do campo, os pássaros do Céu.

Pois é. Acho que basta por hoje. Já tá saindo fumaça das orelhas. Quando receber, confirme. Um abraço. Ray

Em tempo: Spinoza foi condenado pela igreja. Se souber que eu fui pra fogueira, por favor, jogue ao menos um pouco de água!