quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O BIG BROTHER BBB e A DUALIDADE DE TODOS NÓS


Diariamente ouço, vejo e leio discussões acaloradas, protestos, manifestações de indignação pelas cenas expostas no BIG BROTHER. Isso se tornou comum nas conversas, nas redes sociais e em todos os espaços de comunicação. As expressões furiosas de desagrado, muitas vezes lúcidas e pertinentes, geralmente estão fundamentadas em minuciosa descrição das cenas, diálogos e eventos marcantes do programa.
Uma evidente constatação é a de que a grande maioria dos que criticam e deploram a decadência de valores que o programa expõe, o assistem regularmente. Se não fosse assim, a emissora não teria a fabulosa audiência que tem!
Numa alusão bem humorada, seria mais ou menos como aquela situação, muito comum, que ocorre com todos nós: quem nunca experimentou ficar um dia inteiro, às vezes até dois ou três dias, cantando compulsivamente aquela musiquinha detestável, que foi ouvida ao acaso? De que escaninhos vem esse impulso para fazer aquilo que nos leva ao desprazer?
Não queremos discutir o Programa, pois isto já foi feito à exaustão. Também não se trata aqui de julgar a postura dos que veem e saem publicando libelos acusatórios.
Tampouco convém colocar nessas pessoas o rótulo de “falsas” ou “mascaradas” por sua atitude digamos, incongruente. (Embora seja certo que muitas negam que assistem: “Nunca assisti”! Ou “minha empregada assiste e às vezes eu passo pela sala...” “Dizem que tem um gay debochado no programa...” e por aí afora! )
A questão que se coloca é: o que faz com que se busque - às vezes tão avidamente - aquilo que maltrata? Por que se mantém o apego àquilo que fere a sensibilidade, ao que entristece, que dá um “nó na tripa”, ou provoca uma “gastura” moral, como dizia meu saudoso pai?
O que pode reter alguém grudado à tela, vendo um filme de terror, mesmo sabendo que ele impedirá o sono tranquilo, provocando pesadelos? Ou vendo o programa de TV que alardeia violência, mortes e assaltos, aumentando o cortisol na corrente sanguínea e o pavor de se sair às ruas?
Não seriamos, ainda hoje, movidos pelas mesmas motivações obscuras que no passado levaram multidões a delirar com as cenas sangrentas dos circos romanos?
Seria esse mesmo mecanismo interno, o que leva as pessoas a saírem correndo para assistir a uma briga de rua, a buscarem as páginas vermelhas dos jornais, a darem grande audiência a programas que expõem o lado sombrio da vida, ou vendem, como espetáculo, as deformidades e misérias humanas?
Essas e outras manifestações externas derivam de algo muito mais complexo que paira nos subterrâneos escuros e mal conhecidos do mundo interior de cada um de nós.
Qual é a força escondida que empurra o ser humano para essas experiências , muitas vezes paradoxais?
Para refletirmos sobre essas perguntas, precisamos considerar que vivemos num mundo de dualidades. Tudo se apresenta oscilando entre, no mínimo, duas polaridades. Nossa vida é toda marcada pelos opostos: feio e bonito; alto e baixo; bom e mau; claro e escuro; amor e ódio; saúde e doença; vida e morte; etc.
A cosmologia das religiões, a mitologia e as diversas escolas e caminhos espirituais, ao longo dos séculos e milênios, têm construído suas bases doutrinárias, cultos e pregações em conceitos duais: céu e inferno; zonas de luz e de tormentos; anjos e demônios; divindades do bem e do mal.
Quando retrocedemos na história da humanidade, identificamos os resultados das ações humanas, tanto dos indivíduos quanto das coletividades, sempre na esteira dessas duas vias opostas: bravura e covardia; vencedor e vencido; certo e errado; usurpador e usurpado.
Nossa realidade total é assim. Somos isto E aquilo e não isto OU aquilo. De outro modo não poderíamos explicar por que o gênero humano tem vivenciado, desde sempre, experiências tão díspares.
Sim. Somos todos ao mesmo tempo, Luz e Sombra. Não é um fato incomum - e isso todos nós já vimos alguma vez - que a mesma pessoa que sente prazer em remexer a carniça, mesmo com ânsias de vômito, ou que traz a carniça em suas próprias entranhas; que essa mesma pessoa que expressa na vida o que o ser humano tem de pior, pode expressar, também, em sua verdade, aspectos surpreendentemente positivos e integrados.
Há individualidades que atuam na vida praticando abusos, vilezas e agressões contra si mesmas e contra os outros. E, no entanto, essas mesmas pessoas podem, de forma espontânea e sem qualquer máscara, ser capazes de sentimentos delicados, como o de se comoverem até às lágrimas diante de algo belo, ou presenciando o sofrimento alheio.
Outras ostentam tal feiura moral que se tornam aversivas e repugnantes. E essas mesmas, em alguns momentos, podem manifestar, numa de suas faces incógnitas, vínculos verdadeiros com o belo, com a arte e até com a espiritualidade.
Certa vez ouvia uma jovem que deplorava, magoada e sofrida, o comportamento de seu pai. Em casa ele era duro, rude, cruel, quase um tirano. Na instituição religiosa onde trabalhava, atendia as pessoas de forma muito amorosa, envolvia-se com seus problemas e as ajudava. Para aquela jovem, seu pai era falso, tinha “duas caras”.
É possível admitir que aquele homem talvez encontrasse no ambiente religioso um espaço facilitador para expressar o que de bom havia desenvolvido em si? Talvez estivesse profundamente dividido, fragmentado, mostrando duas de suas faces, completamente separadas, ambas verdadeiras para ele.
O nosso EU real é absolutamente expressivo dessa realidade dualística. Ele compreende aspectos profundamente integrados de amor, criatividade e sabedoria. A partir dele podemos viver experiências genuínas de felicidade, alegria e prazer.
Não obstante é preciso considerar que misturada a essa tecedura organizada, ainda persiste em todos nós, uma parte não desenvolvida que contém emoções negativas e impulsos como ódio, medo e crueldade.
Quando pudermos aceitar que não somos perfeitos e que podemos abraçar essa parte ainda em desenvolvimento, ela poderá ser curada, transformando-se em poder positivo.
Uma das palestras do Pathwork nos ensina que : “ a atitude destrutiva é negar o que somos, pois o que é negado não pode ser transformado”. Só se sabe o remédio certo quando se reconhece a doença.
O que mantém a sombra e impede o acesso ao EU verdadeiro (luz e sombra) é o medo de encarar-nos tais quais somos. E tememos encarar porque temos a fantasia de que somos apenas a parte desorganizada e “má”.
A consciência infantil nos diz que se há em nós uma parte “defeituosa”, isso representa a totalidade do que nós somos. Se é assim, concluímos que precisamos esconder das outras pessoas essa parte feia e inaceitável. E até de nós mesmos. Isto nos faz infelizes, porque, no fundo, sentimos que usamos um arremedo daquilo que desejamos ser: um EU idealizado e irreal.
Para fazermos essa travessia, precisamos aprender que a parte que tememos não é a realidade última. É apenas um aspecto impermanente da nossa realidade maior.
O grande convite da vida é abrir-se à experiência de autobusca, empreendendo uma viagem corajosa, que nos levará a um rico território interior, cheio de belezas e possibilidades. Mas precisamos admitir que esse mesmo território é feito, também, de paisagens desconhecidas e nem sempre belas, que precisamos explorar pouco a pouco, passo a passo, para que sejam reconhecidas, aceitas e transformadas.

Ray do Vale
Psicóloga e Psicoterapeuta.
Fones: (91) 9983.1560 / (91) 3229.6365

Fontes pesquisadas:
Palestras PATHWORK
Pierrakos, Eva, Caminhos da Autotransformação
Pierrakos, Eva, Não Temas o Mal