segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O BIG BROTHER E A NOSSA DUALIDADE

Diariamente ouço, vejo e leio discussões acaloradas, protestos, manifestações de indignação pelas cenas expostas no BIG BROTHER. Isso se tornou comum nas conversas, nas redes sociais e em todos os espaços de comunicação. As expressões furiosas de desagrado, muitas vezes lúcidas e pertinentes, geralmente estão fundamentadas em minuciosa descrição das cenas, diálogos e eventos marcantes do programa.
É fácil perceber que a grande maioria dos que criticam e deploram a decadência de valores que o programa expõe, o assistem regularmente. Se não fosse assim, a emissora não teria a fabulosa audiência que tem! Quem fala com tanta propriedade, vê!
Não queremos discutir o Programa, pois isto já foi feito à exaustão. Também não se trata aqui de julgar a postura dos que veem e saem publicando libelos acusatórios. Tampouco convém colocar nessas pessoas o rótulo de “falsas” ou “mascaradas” por sua aparente incongruência. (Embora seja certo que muitas negam que assistem: “Nunca assisti!” Ou “minha empregada assiste e às vezes eu passo pela sala...” “Dizem que tem um gay debochado no programa..., e por aí afora! )
A questão que se coloca é: o que faz com que se busque o que maltrata e incomoda? Por que se mantém o apego ao que fere a sensibilidade, ao que entristece, dá um “nó na tripa”, ou provoca uma “gastura” moral e até física, como dizia meu saudoso pai?
O que pode reter, por exemplo, alguém grudado a uma tela, vendo um filme de terror, mesmo sabendo que ele impedirá o sono tranquilo, provocando pesadelos? Ou vendo o programa de TV que alardeia violência, mortes e assaltos, aumentando o pavor de se sair às ruas? Não seríamos, ainda hoje, movidos pelas mesmas motivações que no passado levaram multidões a delirar com as cenas sangrentas dos circos romanos, reeditadas hoje nos ringues da vida?
O que é certo é que ainda persiste no ser humano um mecanismo de fidelidade ao que é mórbido e ao que choca. Há em alguns de nós uma parte que ainda quer sentir o cheiro da carniça. E é isto que leva as pessoas à corrida para cenas de brigas de rua, acidentes e tragédias. É esse impulso obscuro que busca as páginas e telas de publicações que expõem o que a espécie humana ainda tem de pior. Não é por outro motivo que as pessoas fazem manifestações legítimas, oportunas contra os governos incompetentes e corruptos, pregando ódio, violência e morte.
Tais expressões externas derivam de algo muito mais complexo que paira nos subterrâneos mal conhecidos do mundo interior de cada um de nós. Qual é a força obscura que empurra o ser humano para experiências, muitas vezes paradoxais?
Para refletirmos sobre essas perguntas, precisamos considerar que vivemos num mundo de dualidades. Tudo se apresenta oscilando entre, no mínimo, dois polos. Nossa vida é toda marcada pelos opostos: feio e bonito; alto e baixo; bom e mau; claro e escuro; amor e ódio; saúde e doença; vida e morte; pecado e virtude.
A cosmologia das religiões, a mitologia e as diversas escolas e caminhos espirituais, ao longo dos séculos e milênios, têm construído suas doutrinas, cultos e pregações em conceitos duais: céu e inferno; zonas de luz e de tormentos; anjos e demônios; divindades do bem e do mal.
Como indivíduos também somos duais. Nossa realidade total é assim. Somos isto E aquilo e não isto OU aquilo. De outro modo não poderíamos explicar por que o gênero humano tem vivenciado, desde sempre, experiências tão díspares. Sim. Somos todos ao mesmo tempo, Luz e Sombra, abismo e colina. Há individualidades que atuam na vida praticando abusos, vilezas e agressões contra si mesmas e contra os outros. E, no entanto, essas mesmas pessoas podem, de forma espontânea e sem qualquer máscara, ser capazes de sentimentos delicados, como o de se comoverem ante o sofrimento alheio, até praticando o bem. Outras ostentam tal feiura moral que se tornam aversivas e repugnantes. E essas mesmas, em alguns momentos, podem manifestar, numa de suas faces incógnitas, vínculos verdadeiros com o belo, com a arte e até com a espiritualidade. Todos temos dentro de nós o "bem" e o"mal". E um não anula, necessariamente, o outro.
O EU de cada um de nós é absolutamente expressivo dessa realidade dualística. Ele compreende aspectos profundamente integrados de amor, criatividade e sabedoria. A partir dele podemos viver experiências genuínas de felicidade, alegria e prazer. Não obstante, misturada a essa tecedura organizada, ainda persiste em todos nós, uma parte não desenvolvida que contém emoções negativas e impulsos como ódio, inveja, medo e crueldade.
Quando pudermos aceitar que não somos perfeitos e que podemos abraçar essa parte ainda em desenvolvimento, ela poderá ser curada, transformando-se em poder positivo. Para fazermos essa travessia, precisamos aprender que a parte que tememos não é a realidade última. É apenas um aspecto impermanente da nossa realidade maior.
O grande convite da vida é abrir-se à experiência de autobusca, empreendendo uma viagem corajosa, que nos levará a um rico território interior, cheio de belezas e possibilidades. Mas precisamos admitir que esse mesmo território é feito, também, de paisagens desconhecidas e nem sempre belas, que precisamos explorar pouco a pouco, passo a passo, para que sejam reconhecidas, aceitas e transformadas.
Ray do Vale - Psicóloga
Email: ray.vale@hotmail.com
Blog: ray-vale.blogspot.com

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