sábado, 9 de fevereiro de 2013

MENINOS ADULTOS


Há uma demanda crescente de jovens que são levados por seus pais aos consultórios de psicólogos e médicos. Muitos desses meninos e meninas, pressionados precocemente para a escolha da carreira a seguir, estão acuados pelo stress, sentem medo e amargam um pesado sentimento de inadequação, fobias, pressões emocionais e patologias diversas, causadoras de grande sofrimento, físico e psicológico.

São quase crianças, tendo que assumir posturas adultas e pensar como gente grande. Aos quatorze, dezesseis, dezessete anos já precisam saber se querem ser médicos, juízes, astronautas, desembargadores, reis ou presidentes de multinacionais; são chamados a decidir se o melhor é estudar mecatrônica (o que será isto?), passar na seleção para o ITA, ou ser apresentadores do Jornal Nacional.

E há aqueles que são marcados pelos cursinhos para se tornarem SUPER, os que vão compor a “Turma Especial” - onde só sentam os melhores, os que seguramente vão aparecer no jornal e no outdoor como os primeiros, quando sair o resultado do Vestibular. Esses renderão dividendos à indústria dos melhores cursinhos da Cidade.

Cineminha, sorvete, futebol, tarde de domingo no shopping, casa de amigo, ou dar uma namoradinha, nem pensar! Os que ousam transgredir sucumbem acossados pela culpa e pelo medo dos concorrentes "que a esta hora estão estudando". Eles perderam o direito de viver a mais bonita fase de suas vidas. Já estão vivendo o futuro, compromissados com a profissão que nem sabem se desejam; não podem experienciar o presente, do qual tiveram que abrir mão. Já pensam onde vão fazer o Mestrado, o Doutorado, o pós e o pós,pós, pós... Se moram no interior vão para a capital, se estão na capital, vão para outra capital maior, se estão na capital maior, vão para o exterior.

Em tempos nem tão distantes, os adultos perguntavam às crianças: “o que você quer ser quando crescer?”. Hoje não há tempo para crescer. Nem para perguntar.

Esses meninos adultos vivenciam um paradoxo: até aqui eles foram poupados de assumir responsabilidades, receberam tudo na mão, não foram ensinados que existe a lei do dar x receber. Nunca precisaram lavar o copo no qual beberam água e pouco aprenderam sobre o significado do “se virar”. Pois bem: esses mesmos, de uma hora para outra, começam ser cobrados e exigidos pela família e pelo meio onde vivem, reféns da cultura do “você tem que vencer, tem que ser o melhor”. Como conciliar duas experiências tão contraditórias sem se perder?

E eles se perdem. Perdem-se em meio a tantas exigências para as quais não foram preparados. E adoecem , e deprimem. Estavam acostumados à calorosa proteção das fraldas. Não haviam aprendido que a vitória requer luta e que às vezes faz bem lavar a própria calcinha/cueca, arrumar a cama onde se dorme ou fazer o próprio sanduiche. São fruto de uma geração de pais que agem dando aos filhos muitos direitos, mas pouco ensinam sobre a outra face da vida - compartilhar deveres.
Com as novas e pesadas responsabilidades, eles estão perplexos, suando frio, vomitando silêncios, amargando gastrites, síndromes de pânico, sentimentos de culpa (meus pais não me cobram, mas sei que o maior sonho deles é que eu passe!). Estão tristes, com a autoestima em decadência, até porque ficaram mais redondinhos e pesados. Perderam o direito de definir os músculos na Academia.

Os pais também estão com gastrite erosiva, corrosiva, implosiva (existe?) e também vomitam: às vezes bílis, medos, inseguranças sobre seu papel de bons pais; mas também vomitam, sem querer, impropérios, alguns explícitos, outros amorosos e velados. Sofrem tanto quanto seus filhos, porque querem ser pais perfeitos de filhos igualmente perfeitos. E, como os filhos, sentem medo e culpa. E ainda precisam fingir que, se o filho não passar, será a coisa mais natural do mundo! Os filhos sabem que não é assim!

Este é um fenômeno da nossa época. Não estamos desqualificando a necessidade do estudo, o compromisso com uma carreira, a responsabilidade diante da vida e de suas demandas. Uma boa formação moral, espiritual e intelectual é o que de melhor podemos legar aos nossos filhos. Também não desejamos enveredar pelo caminho do julgamento maniqueísta rotulando o que ocorre hoje como bom ou mau, aceitável ou condenável. São os tempos novos, com suas dores e com seus dons.

Aos pais cabe procurar caminhos de ajuda que os preparem para uma relação melhor com seus filhos. Necessitam cuidar-se primeiro, dialogar com sua própria história, encarar suas obstruções e crenças, admitir seus próprios limites. Como no avião, precisam colocar a máscara sobre o próprio rosto para depois socorrer as crianças.

Quando conseguirem respirar e reconhecer sua vulnerabilidade, admitindo para si mesmos que o medo dos seus filhos é o seu próprio medo, poderão apropriar-se de sua força e de seu poder de pais e apoiadores.

Convém lembrar que, nas relações em geral e em especial no trato com os filhos, os adultos - pais, mães, avós, professores, ativam dentro de si um adolescente/ criança arcaicos que às vezes reage, ao invés de agir.
A essa parte encoberta em nossos subterrâneos chamamos de “consciência infantil” ou “criança interna”. Ela é o resultado das experiências infantis com nossos próprios pais e com a vida em geral. Isto vale para todos, sem exceção. Muitas vezes, mesmo quando somos adultos saudáveis e bem integrados, é a partir desse espaço emocional que vivemos grande parte das interações com nossos filhos. Muitas vezes pais e mães revelam-se meninos cuidando de meninos, ou brigando com meninos.

É essa consciência infantil que quer o sucesso dos filhos hoje, já, agora e não amanhã; que secretamente deseja que o filho seja melhor que o primo; é essa criança encoberta que finge não estar nem aí se o filho não passar, mas que morre de vergonha de amigos e parentes se ele não passa de primeira (às vezes ele não passa de primeira, nem de segunda, nem de quinta... e aí? ); é esse aspecto regredido que induz sutilmente a escolha da carreira dos filhos (você pode escolher o que quiser, mas ... medicina... ah! medicina!...).

A boa notícia é que a maioria dos pais e mães tem também dentro de si, ao lado da criança imatura, um adulto sensato e maduro. É preciso reconhecer essa dualidade, identificar o adulto, mas não ignorar a ação da criança e o espaço que ela ocupa; dar a ela o colo mas também o limite. Se a criança interna é reconhecida e aceita, o adulto-pai-mãe pode ocupar o lugar de honra. Dele poderá fluir para seus filhos amor, autoridade, apoio, suporte, presença.

Desse ponto será possível encarar o desafio de assistir ao voo dessas aves quase implumes, que fazem sua primeira grande travessia. Esse voo não precisa ser tão urgente, nem tão tenso; pode, e deve, ser relaxado e bom. É possível, sim, responder com responsabilidade e compromisso, mas com fluidez , às demandas de cada época e de cada idade.
Esses meninos e meninas, quase crianças, assustados, invadidos às vezes, tem direito a construir uma consciência mais clara a respeito de seus próprios desejos e sonhos – REAIS!

( Ray do Vale – Psicóloga Clínica)

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