sábado, 31 de agosto de 2013

AINDA SOMOS OS MESMOS... COMO NOSSOS PAIS!


Há um padrão emocional e comportamental presente na maioria dos filhos: a queixa, a cobrança e o ressentimento contra os pais. O motivo: não receberam amor, cuidado e atenção suficientes.
Às vezes isto fica expresso e verbalizado. Em outros casos são sentimentos inconscientes que, por ficarem encobertos, geram mais efeitos negativos na relação dessa pessoa com a vida.
E não estou falando de filhos que viveram situações extremas. Pessoas existem que experienciaram o abandono concreto, a crueldade, o abuso e a violência física, afetiva, psicológica. Para essas pessoas, geralmente é necessário um longo trabalho de reconstrução e realinhamento do que foi destruído. A psicoterapia pode oferecer amplos recursos para ativar potenciais internos da pessoa, ajudando-a a libertar-se da autoimagem deformada que a experiência negativa criou. Assim é possível liberar o próprio coração, deixando que os pais biológicos se vão, entregues à sua história e à sua responsabilidade.
Tratamos aqui dos que tiveram pais comuns, famílias “mais ou menos”, homens e mulheres que lutaram, tentando acertar. Falo de filhos que receberam aquele amor à moda da casa, do jeito e no tom que os pais podiam e sabiam dar; filhos de pais que beijaram, nutriram de peito e afeto, carregaram no colo, levaram na escola, aqueceram, choraram e se angustiaram com as pequenas febres; mães e pais que frequentaram pediatras, ofereceram, com esforço, a melhor escola, participaram de reuniões com a professora, subiram nas paredes para conseguir a melhor foto, emocionaram-se com os gaguejados discursos dos dias de festa.
Referimo-nos a pais que viveram um esforço genuíno na tarefa de criar os filhos; pais comuns, pessoas de boa fé, que passaram pela experiência de serem pais e mães, lutando com seus limites, cometendo erros e acertos, como acontece com todos os seres humanos em qualquer aspecto da vida. Pais que foram duros demais, moles demais, que passaram da conta, negaram, exageraram, perderam-se nos labirintos de suas próprias histórias familiares.
Que parte nossa se revela tão exigente e cobradora com esses lutadores sem nome? O que nos faz acirrar neles a culpa e o desencanto, quando já ultrapassaram as travessias mais penosas de suas próprias vidas? Vejamos. Existe dentro de cada um de nós uma criança – um aspecto nosso regredido e imaturo - que quer amor cem por cento, que deseja ser amada exclusivamente e sem limites. O desejo de amor de nossa criança interna é compulsivo e irreal. Ela quer tudo e muito mais!
Por outro lado, os pais dificilmente conseguem oferecer o amor que ela deseja, um amor maduro e genuíno. Se pudessem, a criança demandaria menos e ficaria mais satisfeita. Mas o amor dos pais quase sempre é tão imaturo quanto a fome da criança. Eles se perdem e se atrapalham na tarefa de serem bons pais: ou mimam demais, dando exageradas demonstrações de amor, na tentativa de compensar o amor real que não sabem dar; ou são severos demais, usando de uma autoridade dominadora, que não permite aos filhos que se desenvolvam e expressem na vida aquilo que são; ou tem dificuldades em dar limites, punir com equilíbrio, exercendo uma autoridade saudável.
Quando a autoridade boa, firme, saudável não é exercida, os pais fogem ao papel de guias e orientadores de seus pequenos filhos. Sem essa bússola, a criança segue com medo pisando o solo da vida e se perde na insegurança e na falta de rumo.
Por não terem recebido o suficiente, as crianças continuam carentes quando adultas. Muitas passarão a vida inteira, inconscientemente chorando por aquilo que não tiveram na infância. O efeito colateral é que elas também se tornarão incapazes de amar amadurecidamente, perpetuando-se a cadeia.
Uma boa terapia será aquela que possa facilitar a essa pessoa um ambiente seguro e acolhedor onde seja possível trazer à luz a ferida da infância. Um bom sinalizador de que começa o processo de autocura é quando ela já consegue receber o que esses pais puderam dar. No mínimo, o dom da vida. A isto chamamos aceitar e honrar a mãe possível, o pai possível.
Aos pais culpados resta buscar ajuda, tentando reconhecer que teriam feito melhor, se pudessem e se soubessem, rompendo-se a cadeia destrutiva do “eu te cobro Vs eu te devo e me culpo”.
Isto libera filhos e pais, deixando cada um com sua história e no seu lugar de dignidade. Cada um poderá tornar-se, então, pai e mãe de si mesmo. É o reencontro com o eixo saudável, a construção do presente sobre as experiências do passado.
Para alguns filhos chega um dia em que eles percebem - e aceitam - que pais perfeitos não existem. Chega a maturidade e as idealizações de pais heróis vão sendo demolidas. Geralmente isto acontece quando os filhos já tem seus próprios filhos – adultos. Sim, adultos, porque quando os filhos são crianças os antigos queixosos (agora pais) tentam, quase compulsivamente, ser pais e mães perfeitos. Seguem fórmulas, criam estratégias, certamente diferentes das que seus pais usaram.
Para seu desapontamento, descobrem mais tarde que acabaram reproduzindo partes da mesma história. Porque também são pais e mãe humanos. O ciclo continua. Os defeitos podem ser diferentes. Mas sentimentos de pais e filhos serão os mesmos. Até não se sabe quando...
(Ray do Vale)
BLOG: www.ray-vale.blogspot.com
Email: ray.vale@hotmail.com






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